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O mês da natureza feminina

Por Vittória Cataldo

Cantadas. Essa foi umas das coisas que Vanessa Ferreira Santana me disse como um ponto negativo de trabalhar em uma empresa predominantemente masculina. Ela é a filha do chefe da Faruk Doces Árabes, e assim que pisei lá dentro e me deparei com apenas uma mulher colocando a mão na massa no meio de tantos outros homens, senti aquela famoso arrepio de quem está diante de uma pessoa que tem muitas histórias para contar.
Quase singelamente o gravador começou a funcionar. A pergunta foi clara e até meio óbvia…”como é ser uma das únicas mulheres trabalhando em uma fábrica predominantemente masculina?”, mas foi a primeira curiosidade que surgiu em minha cabeça.
Vanessa me disse que trabalhar com muitos homens, no começo, é intimidador. O sentimento de deslocamento é grande e certeiro: “são muitos olhares, e aqui na Faruk sempre foram poucas mulheres e é complicado, parece que tá todo mundo olhando, você passa de um lado para resolver alguma coisa e passa do outro, você vê alguém olhando…”
Então eu me pergunto o que fazer nessa situação, onde sua voz feminina precisa ser ouvida no meio de várias vozes masculinas? Sinto minha mão suar, ávida para continuar ouvindo o que Vanessa tem a me dizer, principalmente sobre essas questões.
— Com o tempo a gente vai se acostumando e vai vendo que tudo aquilo não é um perigo…
Claro que muitas coisas acabam mudando ou até mesmo sendo influenciadas. Vanessa me contou que ela começou a usar uma roupa diferente, um cabelo diferente e uma maquiagem diferente. Mas seria esse policiamento da parte feminina necessário para trabalhar com vários homens?
Mas as histórias que permeiam o mundo por aí sempre tem dois lados da moeda. Eu não precisei perguntar por esse outro lado. Ela narrou tudo como se estivesse conversando com uma amiga de anos e não fazendo uma pequena e improvisada entrevista.
“Por outro lado é interessante trabalhar tanto tempo aqui…”. (Pausa na fala dela para uma pequena e importante informação: Vanessa trabalha na Faruk há 13 anos, quando a empresa era conhecida por Doçaria Baalbek, mas isso já é assunto para outra hora). Continuando “…trabalhar tanto tempo aqui é interessante também porque você acaba pegando um vínculo”.
Ou seja, Vanessa começou a ver os homens de uma forma que eles não se apresentam para as mulheres por aí. Você começa a entender seus colegas de trabalho, como pensam e como veem as mulheres. Sua visão, com o tempo, toma uma outra perspectiva.
— Eu acredito que por eu ser uma mulher forte, não é muita coisa que me abala e me intimida, talvez isso tenha dado uma quebrada na situação, talvez eles fiquem mais receosos da forma que vai falar comigo por esse motivo. — Vanessa declara e uma coisa da qual eu não sabia quando tudo isso começou… — Outro ponto que é positivo e negativo de ser mulher, é que eu sou a filha do dono da empresa, então é um pouco complicado, já que as vezes eles não sabem se me olham por desejo, ou se me querem porque eu sou a filha do dono, então assim, tem essa certa invasão.

Mas e o respeito, como fica? Logo quando essa pergunta surgiu primeiro em minha mente, para depois em meus lábios, eu me repreendi. Perguntar se o respeito é algo que rola ou não, não deveria ser perguntado. O respeito deveria sempre existir e não deixar brechas para dúvidas.

A notícia boa saiu dos lábios da mulher determinada que estava sentada na minha frente: “No geral todos me respeitam, e quando não, quando alguém tenta subir um pouco do limite, já dou aquela quebrada, já corto, já mostro que não é assim que funciona, que eles estão entendendo tudo errado, e aí fica tudo bem”. E é aí que entra a parte das cantadas.
Vanessa me contou que vários homens já cantaram ela, simplesmente por achar que devem, já que estão em um ambiente mais masculino com um pequeno toque feminino, e o fato dela ser filha do dono, faziam os homens acharam que tinham a obrigação de ter um relacionamento com ela.

A gente sofre preconceito do ambiente masculino como mulher porque muitos homens ainda são machistas, então eles ainda acham que precisam resolver coisas com os homens, como por exemplo meu pai e meu irmão mais velho, que são os donos, e eu fico na área administrativa, então assim que tiver que resolver eu resolvo se eu não consigo eu passo para eles em último caso, só que tem funcionários que não aceitam falar comigo. — Ela diz sem titubear ou tirar os olhos do meu.

Uma conversa franca e sincera.
— E isso acaba sendo marcante para você? — Pergunto querendo arrancar mais detalhes da situação.
— Sim, e é um ponto negativo. Eu já tive funcionários que não quiseram falar comigo em relação as férias, porque achavam que eu tinha feito a documentação errada, só pelo fato de ser mulher e por isso eles acham que nós sabemos menos que eles, eles não aceitam informações de mulheres porque acham que as mulheres sabem menos que os homens.
Infelizmente uma verdade.
Doa a quem doer.

Mas em doze anos muitas coisas mudaram desde o começou dessa jornada até agora, é claro. Vanessa diz que já conseguiu resolver todos os problemas que poderiam aparecer por ter um útero no meio de um ambiente de trabalho masculino.

“Eu acho que eu consegui modificar bastante a empresa pelo fato de ser mulher, então assim, até na questão da organização, da higiene, a gente é uma empresa pequena que não contrata uma empresa para fazer todo tipo de serviço, então toda essa parte eu cuido. Nunca deixar faltar essa delicadeza que a mulher tem mais, é aí que eu consigo ajudar na Faruk”.
Como eu já disse, nas histórias sempre têm dois lados da moeda. Saí do escritório satisfeita com essa entrevista e desci para o local onde estavam os homens. Queria conversar um pouco com eles também, porque não?

— Meu nome é Edson de Melo, o que eu acho de trabalhar apenas com duas mulheres na empresa? É tranquilo. No começo não foi constrangedor, porque eu já conhecia ela. Sempre foi de boa, tendo respeito de um lado e do outro, ela é casada e eu sou casado, é como se fosse amigo. É amigo. — Declarou Edson com um sorriso no rosto falando sobre sua relação profissional com Vanessa.

— Meu nome é Osmar, tenho 38 anos, e eu acho normal trabalhar com ela. Ela é uma pessoa tranquila, podia ser outra pessoa também que eu ia respeitar do mesmo jeito, tem uns 18 anos que eu conheço ela.

Pergunto curiosa para Osmar, se no começo não tinha nenhum tipo de constrangimento, ou uma certa pressão por Vanessa ser a filha do patrão.

— Desde quando começou até hoje, sempre foi tranquilo. Quando estamos conversando só os homens e ela chega a gente continua a conversar, não tem essa diferença, é todo mundo junto. — Ele declara para finalizar.

Eu agradeço satisfeita. Depois do gravador desligado, brincadeiras foram feitas em off. Brincadeiras de pessoas que se conhecem a bastante tempo, que se sentem confortáveis com Vanessa para dizer, por exemplo, “na verdade eu sempre tive vontade de beijar ela”.
Dizer essas palavras no começo, poderia até ter algum tipo de desejo, ou intenção. Mas elas ditas agora, com Vanessa sorrindo e revirando os olhos para o grupo, conseguimos ver o tipo de vínculo que ela criou com o pessoal.
Um vínculo de amizade e respeito mútuo.
Se Vanessa quiser caprichar na maquiagem ela pode. E sem receio nenhum disso. Fruto da luta de uma mulher para conseguir se mostrar como igual no ambiente de trabalho.
Março, o mês que parabeniza as mulheres. Vanessa deixou um recado importante para todas as mulheres que trabalham em um ambiente predominantemente masculino…
“Bom, eu acho importante a mulher que trabalha em um local que tenha muitos homens que ela nunca baixar a cabeça, que ela nunca deixe que nenhum tipo de preconceito, nenhum tipo de machismo ultrapasse a barreira dela. Porque o machismo tem que ser individual, se a pessoa tem, é ela quem precisa rever os conceitos dela. Você não precisa de adaptar ao ambiente daquela pessoa. Então eu acredito que se você, uma mulher, que trabalha em um ambiente que tenha muitos homens, você precisa levantar a cabeça e mostrar o seu poder, a sua força, a sua vontade, a sua garra, que você tem todos os direitos assim como todos eles tem, você luta como todos eles, que você estuda que você trabalha, que você ainda além de tudo, é mulher, é esposa, é filha, é mãe, então assim, nunca baixe a cabeça, indiferente do local, a quantidade de homens ou de mulheres que tiver, sempre mostrar sua força e sua garra, para que ninguém pise em cima de nós”.
A Faruk Doces Árabes deseja um lindo e feliz Dia da Mulher para todas a mulheres!